Entrevista a Samuel Silva natural de Vale do Ave, licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Frequenta o 2º ano de Mestrado de Práticas Artísticas Contemporâneas e até sabe o nome do discípulo do Miguel Ângelo !
Forma Cita: Acerca da natureza do teu trabalho já nos apercebemos de um processo comum nos raciocínios que nos tens apresentado. Obedecem a uma metodologia específica e frequente?
Samuel Silva:Tomando uma visão restrospectiva dos últimos prjectos que tenho desenvolvido, penso que não posso inscreve-los numa linha de natureza comum. Seria um acto agressivo. Existe demasiado essa pretensão, o de procurar pontos de referência comuns que nos permitem engavetar determinado artista, inscrevê-los num determinado território. Cada trabalho tem as suas especificidades, ilustram determinados momentos de reflexão, formalizam-se inclusivé em meios e linguagens diferentes. Agora claro, numa última circunstância é a mesma pessoa a pensar.
FC: Mas talvez ao nível metedológico, parece-nos que o teu trabalho passa muito pelo momento da investigação, sobre o qual ele se desenvolve posteriormente. O postal, por exemplo…
SS: Gostei muito desse projecto. Quando descobri esse postal na feira de kasimierz (parte judía da cidade de Cracóvia) intressou-me sobretudo a possibilidade de nós enquanto criadores, poder-mos efabular um objecto, podendo injectar novos sentidos e valores a estes, especialmente quando estes são comezinhos e insignificantes. Relativamente ao meu método de trabalho, este reivindica sempre uma necessidade de amadurecimento da ideia à priori do confronto com os materiais que lhe resistem e a irão formalizar. São opções. No entanto, existem perigos, uma investigação demasiadamente informada e referenciada pode-nos conduzir a uma vivência do mundo pelos outros.
FC: Assim como acabaste de dizer também já tinhamos reparado que te involves e procuras conhecer o trabalho de muitos outros autores, nomeadamente através da citação de ideias que estes desenvolveram no campo mais teórico. Isso tornou-se algo recorrente no meio artistico, o trabalho é justificado pela referência. Concordas?
SS: Nenhum de nós tem uma opinião própria. Somos uma espécie de esponjas, que a partir do material a que vamos acedendo criamos a nossa opinião. É na digestão dessas informações que defecamos a nossa. Para além disso, os objectos que produzimos convocam sempre o conhecimento e sensibilidade do outro, e aí sofrerão inevitávelmente de leituras que se fundamentam nas associações livres. De repente, ouvimos: “Olha um à la Felix González Torres!”.
FC: Mais especificamente queres falar-nos um pouco do trabalho que esperas desenvolver nesta exposição?
SS: Interessa-me este espaço, como um local neutro, para ensaio de novas possibilidades. O momento expositivo é sempre uma espécie de fotografia do que estamos a pensar em determinado momento. As minhas últimas preocupações prendem-se com a questão da condição do documento na relação com a práctica artística actual. No meu entender assistimos hoje a uma emancipação e urgência do acto de registo do objecto estético, talvez por uma necessidade de resposta face à proliferação de novas plataformas expositivas: catálogos, revistas de artes, a www, os portfólios digitais, a publicidade, para além dos convêncionais museus e galerias. Existe palco para além do white cube (risos). Muitas vezes expomos para meia dúzia de gatos pingados que são nossos amigos. A consciência da efemeridade do momento expositivo, leva-nos a uma situação de criação para o cheese!!!!... do momento fotográfico. Daí podermos falar de fotogenia.
FC: Eleva-se então o Registo/Documento a um patamar de Prova. A Prova é uma possibilidade artística?
SS: (risos) A natureza do documento é, de facto, substitutiva e provatória. No entanto esta nunca pode substituir a obra de arte. Esta questão remeto-nos para a discussão estética dos anos 60. O Walker Evans distingue bem esta situação. Ele diz-nos que o documento é útil e a arte inútil, nunca um documento pode ser eleito como forma artística, no entanto a arte pode adoptar um estilo documental. Toda a arte conceptual utilizou a fotografia no estilo documental.
FC: Esta entrevista será ela própria um documento, sentes-te confortável com isso?
SS: (risos) Tenho de ter cuidado com o que digo. O discurso de um autor pode ser entendido como uma demonstração artística.
Ad Reinhardt no seu discurso, por vezes era desconcertante, utilizava a llinguagem de uma forma performativa mas que de certa maneira acrescentava novas leituras sobre o seu trabalho. Pollock, respondia com uma ou duas frases, o que também tinha que ver com a sua atitude.
O formato de uma entrevista que acompanha a exposição, pode servir como um mecanismo de interferência sobre, age em género de descodificação daquilo que á apresentado. Por outro lado, assume a condição de documento, uma espécie de alter-ego que informa e que efectiva.
Não me interessa descodificar o trabalho. A entrevista vale de uma outra forma.
FC: Porquê ready-showed ?
SS: Interessa-me pensar sobre as fronteiras e contingências da arte. A possibilidade do “quase não arte”, a iminência de um mero exercício tautológico. O confronto de um registo documental de uma exposição passada, com os materiais que a construiram, devolvidos ao estado iniciático de matéria prima, que no seu conjunto edificaram um novo corpo estético. Ou num outro momento, o registo nostálgico do espaço, um estado pós-exposição, a poesia da ruína, do vestígio das cicatrizes, a ausência de um corpo que foi “desalmado” pelo seu registo.
FC: O que é que te leva a pensar nestes assuntos?
SS: Existem momentos na nossa vida, viagens, leituras, festas, onde somos confrontados, aliás, atropelados por certas situações que nos provocam perplexidade.
Exemplo. Num magusto em casa do Carlos Barreira deparei-me no seu atelier com uma obra, “a máquina de bater palmas” que estava em processo de restauro. De facto o que estava a dirigir a reconstrução da peça era uma fotografia desta dos anos 70 colocada com fita-cola na parede, curioso era, o facto, de ele não poder restaurar a parte de trás da obra, precisamente porque só tinha registado a vista frontal do objecto. Outro caso, será por exemplo, ter assistido à montagem de um trabalho de Robert Morris em Serralves onde os feltros que constituiam a obra estavam dispostos no chão, uma fotografia documental da obra dos anos 60 também colocada na parede com fita cola dirigia a montagem e congregação destes materiais. A fotografia como manual de instruções, a submissão do objecto real perante o seu documento. São situações (leit-motivs) que me inquietam.
FC: O prolonongamento da obra , nomeadamente pela citação e pela documentação é cada vez mais real o que achas?
SS:A obra não acaba no momento em que é apresentada. Por vezes obras mal recebidas são posteriormente alimentadas com outros sentidos. Tornando-se mais interessantes ou até validadas para a comunidade artística. O Pierre Bourdieu diz que o objecto artístico não se conclui no momento em que é exposto, talvez seja esse o inicio da obra, da poesia.
Por exemplo, uma história curiosa, nós tinhamos no acervo da FBAUP um desenho de Miguel Ângelo, um dia veio o Phillip Poncey, para se certificar se o desenho era verdadeiro. Chegou-se à conclusão que afinal era de um seu discipulo Girolamo Da Carpi. O prejuízo que o senhor Poncey deu à faculdade...
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